-

domingo, 20 de dezembro de 2009

Passageiro sangrento


Sobre o tempo

aquele suspiro quase frio

que quando passa

leva no vento

sombra breve

mansidões e tempestades

feitios de passagem.


Sobre aquela coisa

que não é

nem não foi

outra ainda

alguma qualquer.


Não foi sendo por amor

nem por não-amor

foi sendo por mim

por algo que por ora

guardou-se aqui.


O conflito era meu

tomei-o todo com minhas próprias mãos

ainda sujas

cheirando a sangue.


Aquilo não era por mal

era por algo dentro do eu

que me fazia ser assim

nem mesmo era por ele

jamais o foi

ali, só existia aquela outra coisa

que não era nem ele

nem nada

um pouco de eu

calado apenas

vazando por entre gotas

repletas de sentimentos

vazias de significados.


Era como se eu estivesse

ao mesmo tempo

acima e abaixo de todos

escorrendo de mim

meu ser já derramado de si.


Estava além

de explicações

além de palavras

além de regras

além de medos

além de mim,

muito além.


Estava aqui.



quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Rodopio as avessas


Aquele cheiro do mundo

ainda tinha o mesmo cheiro.


E nas rodas

cada vez mais velozes

eu procurava algum sentido

pra permanecer ali.


Não encontrei.


Mesmo assim continuei

aqui estou.


Era como se as coisas passassem…

passassem por mim

era como se eu passasse.


De repente, passei.


Aquilo que sempre nos fazia

e fazia de nós o que éramos

de repente

não mais nos fazia,

não mais nem éramos.


Não somos ainda.


A roda

aquela que nunca parou de rodar

ainda roda

e eu

rodo com ela.


Sempre rodei.


Permaneço rodando

como todos os outros.


Ainda permaneço.


A roda, agora

está toda do avesso.


E eu?

aqui, ainda.


Rodo com ela,

comigo.


Roda sozinha.




quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Entre linhas


Meu máximo e mínimo

a cada instante

no teu seio

sendo explorado

extorquido

quase arrancado

por tuas mãos

leves, doces, ternas.


Bocas ao devorar salivas

entrelaçando sabores

atirando-se ao desejo vil

estéril pecado

brindado a corpos nus

perdidos à procura

do gozo de loucura.


Entre asas e pernas

nalgum naco de alma

que vem a tona

e milimetricamente

se revela tão exposto

quanto cadáveres abertos

onde a sorte moribunda

nasce já enraizada à morte

e se desfaz ao extrair-se de si

toma-se toda

parte por parte

cavando sua dor

no suor do prazer

que está além da carne.


Outrora eu vi um risco

o espaço era todo entrerriscos

como um limite de ser

circunscrito-restrito

num horizonte já quase sem cor

que desesperadamente

quebrou como a mais fina das taças

e em cacos se libertou.


Entre cacos

entretanto se refez

e ainda no pulso

daquele delírio excitante

revelou uma profundidade

além dos riscos.


As auroras trazem consigo

a cor de sangue escorrido

que enrosca nossos sabores.



segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O melhor de mim


Já era o tempo cinza

em que os dias quase choram

lágrimas partidas

e tudo aquilo que me sobrava

era um risco terno no nada,

brisa fria.


Meu ódio era o melhor de mim

engasgado num nó de mágoa

acidez berrada

engolida a seco.


Dia a dia a gente aprende

aos poucos

a amarrar as dores lentamente

cavando buracos enormes

porosos e ocos

para jogar fora

num vômito único

seco e breve e amarelo.


Expulsa, arranca

lança fora, puxa

cospe, grita

explode, arranha

tira! tira! tira!

deixa sair aos prantos

deixa arder como ácido em carne viva

deixa corroer por inteiro

deixa doer

deixa assim

deixa, deixa que passa


um dia passa.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sala grande


As xícaras de café ficaram sobre a mesa ainda posta, ainda nossa. O vazio que dormiu por entre nossos corpos de repente saltara do peito e se significava diante daquela manhã de faca, aquela que nos finca, rasga e corta por dentro da carne morta. Era como se eu soubesse que todo nosso sentimento começou a desprender-se de nós ali, e eu sabia, nós sabíamos, nunca mais voltaríamos a tocar um ao outro do mesmo modo, com o mesmo afeto, doçura, carinho.

Eu olhava a aquele lugar com olhos de saudade, de medo, de dor. As paredes brancas e o espaço infinito daquela sala entraram em nós, invadiu nossos peitos, sonhos, planos. Era como se a gente não coubesse mais ali, como se ali não coubesse a gente. A gente nem sequer existia mais. Eu sabia, você também sabia.

Os cigarros acesos, as malas feitas, a casa já vazia. Era hora de partir. Isso significava bem mais que somente isso para nós, isso significava o fim. Os sinos haviam tocado, era hora que nós temíamos desde o inicio, era aquela hora que nunca coube nos nossos planos. Você me olhava com os olhos vermelhos e o coração na mão ao dizer “Boa sorte, conte sempre comigo!”. Falas quase engasgadas que não eram sinceras, não podiam ser. Não restou nada entre nós, nem mesmo a sorte.

Minhas mãos ainda trêmulas apertaram a sua, aquele aperto final, aperto de despedida. Eu nem imaginava o que estava acontecendo. Eu estava te perdendo. Eu já havia perdido. Nós nos perdemos e juntos destruímos partes inteiras só nossas, que simplesmente não cabiam mais naquela casa, não cabiam mais em nós.

E hoje, lentamente já não resta mais em mim aquela saudade, aquele medo, aquela vontade. Hoje não resta nem mesmo aquele cigarro aceso ou aquela sala que nós decoramos com as nossas cores quentes, que agora está lá… vazia, suja, abandonada. Mas, pronta para esperar os próximos de nós, os próximos a tentar, a se tentarem. Os próximos a acreditar que aquela mesa e aquelas xícaras de café são o começo deles, e não o nosso fim.

Eu brindo aquele dia com alguma sensatez muda. Eu ainda guardo o teu fim em mim, afinal a gente já esperava, de algum modo há algum tempo a gente percebeu que ‘a gente’ não existia mais. E que toda aquela tentativa estava nos corroendo acidamente por dentro. Nós já não éramos os mesmos, e já não estávamos mais dispostos a machucar-nos e sofrer assim por algo que não preenchia mais ninguém. A utopia finalmente nos abandonara e, assim pudemos enxergar diante do espelho duas imagens distintas, que finalmente não se completavam, nem se coincidiam em ponto algum.

Da próxima vez, quem sabe uma casa com a sala menor…

terça-feira, 17 de novembro de 2009

De vez em quando


De vez em quando amor

palpitações silenciosas

que se explicam por si só.


Abraços, laços, traços.


De vez em quando tesão

gemidos embriagados

atrelados ao desejo cru e cruel.


Suspira, delira, arrepia.


De vez em quando carinho

eternidades milimetricamente cuidadosas

mansidão que me prende a tua mão.


Carícias, olhares, sorrisos.


De vez em quando ternura

coisas sem nome que significam elos

passíveis de sentir com cheiro agridoce.


Melodia, sinfonia, sintonia.


De vez em quando tantos

experimentar tudo o que for possível

cada gota, cada dose.


Liberdade, liberdade, liberdade.


De vez em quando eu

entre tudo

entre nada.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Vinte vezes a mesma coisa


Um vendaval difuso

invisível

que passa arrastando o tempo

desconexo

deixando entre o que já não é

e aquilo que é

essas palavras

derramadas.

¨

Dualidade mórbida acelerada

à passos largos,

vagos

profundezas alcançadas

demoníacas,

embriagadas

quase esquecidas na cor pálida angelical

pintada a cacos

partidos, cortantes

borrados de dor e louvor.


A mesma coisa sendo identificada

vez por vez

rumo a alguma velha e instável

oca nudez

cravada a símbolos malditos

belos e doces e macios

feito o cheiro do vento passando

que leva poeiras inteiras

num quase grito terno e morno.


Vinte versões,

já não tão intactas como antes

pés mais distantes de onde se partiu

mais perdidos

e mais doloridos

e mais seguros

ainda sem lugar pra chegar

tudo falso e tramado

feito uma coisa que nem uma vez nem vinte vezes

vai ser a mesma coisa que nunca não foi.


Não fosse ártico,

nem tanto trágico.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Fotografia de rabisco


Do sol ao mar

de sal

e céu

ao léu

entre véus

todo o mel

sabor do ar.


Vento que bate

leva

vira e revira

trazendo cores

das flores mais belas

cheiros de mudas falas

que mudam

por si, sozinhas.


Tambores,

amores entre amoras

auroras

recortando texturas

que sentem a lua

atravessando o longo caminho

daquelas coisas que não existem.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Monólogo monótono


Mendigo minhas migalhas miúdas

moídas

malditas.


Mentiras molhadas

meu mel moldado

mudado,

maltratado.


Meses movediços

meu máximo e mínimo

ao mesmo modo.


Mente morta

malignamente minuciosa.


Mágoas maltrapidas

mutuamente mutantes

melindras mudas.


Mil marcas

molestadas

memorizadas

movidas à mórbidas minutas.


Minutos minúsculos

minudências móveis

minuanos macabros.


Metamorfoses motoras

moldes e medos.


Mudez mortal

malvada moral

mudanças no mural.


Metades meadas

músculos marcados

modelos menos macios

moldações medonhas.


Mensagem manca

mito morno

manchado de morte.


Minto,

meu momento de mimo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Menina quase borboleta


Ela olhava aquela cidade como quem também não era dali

as luzes contra os olhos

os olhos saboreando o medo e a angústia aprisionada.

Entre laços e beijos

havia mistérios quase inexplorados.

Eu me apaixonei não por ela,

mas por tudo que se escondia atrás dela.

A dama da noite, sem classe;

A musa de marfim, com uma pitada salgada.

Encantadora e quase perigosa.

Lacrimejava pelos cantos como mulher,

abria o peito e se entregava com jeito

feito atriz encarnando personagem que já existia dentro de si.

Ela jogava cartas como quem joga só para ganhar

e ela ganhava como quem sabe a hora da vitoria

nem antes, nem depois

o tempo certo, sempre cronometrado, sempre certo.

Pele doce, olhar gentil

a moça que sabia como ser tudo que era de um jeito só dela.

Colocava a colcha sobre seu rosto

tentando guardar dentro da colcha suas dores

ela era doída, bastante doída aliás.

Seu movimento era todo perfeito

usava o charme para tapar seu medo

ela sabia como ninguém

guardar-se dentro de si.

Ficava por ali numa paz estonteante

que só ela sabia alcançar

seu tormento cheirava segredo

tinha a cor de todo amor

despedaçado e moído

com o brilho certo de carinho cansado.

Menina, minha menina

de alguma forma eu preciso deixar escapar

sua confusão e seu medo me afastam

mas só seu olhar sabe como me atrair assim

não me declaro

agora eu me calo

e digo somente:

que eu sempre te amei.

Basílio Ferreira Filho

(uma face máscula de Fernanda Tavares)

domingo, 4 de outubro de 2009

Poeira invisível


Um sopro quase poético

leva a alma de encontro ao corpo

cheirando ao vento mudo

repleto de nada que não complete.


É como se o carinho

fosse coisa intrínseca

tatuada na pele frágil e densa e macia

como se as coisas fossem simples

feito o toque,

aquele manso e leve e silencioso

que traz consigo o sabor e amplitude do desejo.


Entre a carne e a não-carne surge algum barulho

aquele que palpita conforme o movimento dos corpos

nos delírios e suspiros a metafísica se encarna em física

pura e nua e crua.

Explosão súbita de valores e sintonias

captadas pela antena única e desajustada

de corações vagabundos sempre ao alcance.


Faz-se necessário falar do tesão

borbulhando como o cheiro da terra

ainda molhada

cavada.

Laços profundos amarrados no suor

de todo aquele prazer,

que não pode, não deve ser dito

foi gravado entre silêncios

e entre silêncios permanecerá.


Paredes abaixo

muralhas no chão

escudos dissolvidos

sentimentos expostos

conquistados e absorvidos e penetrados.


Como se além do céu existisse outra coisa

sem nome e sem cor

lá, só e somente lá

onde meus pés quase tocam o chão.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Quase conto sobre o amor


Ao meu amor partido que partiu e aqui comigo deixou lembranças doces e vivas e internas, como se amor fosse uma coisa nossa, não é, e jamais foi meu bem, amor é aquilo que nos pertence, mas que não pode ser nosso, amor é só do amor, e dura apenas enquanto durar amar.

Foi pensando que amar era coisa fácil, que eu comecei a colecionar cacos. Entre os mais belos guardei você nalgum deles (dentre outros tantos não menos belos). Seu rosto reluzia como uma vidraça limpa e eu me lembro muito bem como você olhava vitrines como quem olha dentro de si, parava e ali reparava cada uma, reparava cada parte de si no brilho delas, e só assim podia tocar-me, é que as vitrines é onde me escondia e onde escondeu a todos os que amou, você olhava vitrines como quem guarda as pessoas dentro delas, e só as toca até o vidro ainda brilhante, ainda limpo. E foi assim, que me tocou. Tocaste de um jeito singelo e calmo e manso, me olhou dentro dos olhos de um jeito profundo e deixou vazar algumas lágrimas como se escondesse algum segredo nelas. E ora, escondeste bem, meu bem. As pistas e passos que aqui ficaram não mais me conduzem à aquele toque e aquele olhar, mas me mostram dentro de mim um caminho vago que só eu sei percorrer.

O fim do amor é algo digno de brindes eternos e saudosos dignos das palmas mais representativas que podes receber. E partir não é simplesmente dar as costas e sair, é mais que isso, é deixar de si tudo o que deve ser deixado, e acredite, é tarefa árdua deixar um pouco de si num canto qualquer onde nem sequer sabes se vai saber encontrar novamente o caminho, e ainda é levar aquela parte pesada que mal podes carregar com os ombros já cansados e pesados e baleados. O mais difícil do amor é deixar de amar, esse sim é o impossível do amor. Improvável.

Amar é aprender partir com classe e deixar o outro partir como quem é expecta-dor de sua pobre e nobre dor. Deixar ir e saber a dor é o mínimo necessário para entrar em contato consigo através somente de si. E entra, deixe entrar, afinal é saboroso equilibrar energias e vê-las estáveis como nunca antes imaginaste. O sabor de sofrer tem um gosto bonito de se conhecer. E é assim, só assim, quando deixas partir e partes também que percebes que amar é muito além do que dura o amor, aquilo que sobra depois de tudo que partiu e ficou é ainda o amor, do jeito que ele devia ser antes mesmo de ter sido tudo isso.

Só assim que o sabor dos nossos sonhos, é enfim o sabor nosso, e não vai fugir, ficou guardado aqui com algum outro gosto, real.


Basílio Ferreira Filho

P.S.: uma face máscula de Fernanda Tavares

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Sem norte


Loucura e desorientação,

naquele cemitério de ilusões

encruzilhadas na mente morta,

pálida de confusão.

Sem cheiro, sem cor.

Com aquele gosto asco,

medo e nojo e dor.

Mãos trêmulas e frias e suadas

marcadas com sangue.

Sangue que veio da alma

escorreu do vazio que ela escondia de si.

Ela segurava aquele livro

como se estivesse dentro dele, presa ali

em algum lugar onde ela certamente não estava.

Seu corpo não mais falava,

era mudo e rouco

ela não tinha como gritar aquela angústia aprisionada em lugar nenhum.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Vago


A doce dose amarela de sangue escorrido, pálido e coalho

Feito versos perdidos

Lembranças brancas

Naquele azul que borbulhava cheiro de dor.

Abaixo o rosto e escondo-me em mim

Escondo-me de ti.

Tudo que já não pertence e ainda é meu.

Os furos da parede concreta levam ao teu silencio já esquecido

Como num naco de alma

Uma lua que ainda brilha no teu peito

Por trás do gosto nobre do corpo adormecido.

Como se os mortos falassem do que nunca sentiram!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sobre meu quase eu


Eu escrevo sobre o vazio.

Sobre o nada que sempre fui

E sobre a coisa nenhuma que preservo em mim.

Escrevo o que não sou.

Desato meus nós com palavras soltas

Mais vagas que eu mesma.

Desabafo meu silêncio

Num berro sem voz, sem cor.


Eu escrevo sobre a falta de eu em mim

Jogada ao vento nessas palavras sem sentido

Escrevo sobre meu anti eu

Sobre meu ego perdido no eco partido.

Eu mostro tudo o que não sou

Num retrato meu, que não me vi

Atiro minha parte guardada

Em qualquer gaveta cardíaca trancada, sem porta de entrada.


Eu escrevo sobre o tempo,

Maldito!

Aquele que passou e levou consigo uma parte do que era meu

Uma parte que era eu mesma.

Um brinde a minha possessão, só minha.

Duas doses com sal e limão.

Eu já não tenho nada mais a escrever

Sobre meu quase eu.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A solidão das putas


Escrevo às putas abandonadas na margem da solidão,

Desfaleço-me toda por inteiro

Descrevo em mim o vazio dos seus corações

Limpo o corpo para o cliente derradeiro.

¨

¨

Vem!

Não vê eu ainda te espero?

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Fica só entre nós


Antes do entardecer
Não mais contarei o segredo daquele silêncio
Irei combinar nossos versos
Degustando seu cheiro em minhas palavras
Prever-te em meu rebojo
Gritar, provocando-lhe.
Apóstrofe à poesia.

Soube achar que não mais valia pena parar essa dança
Audaciosa, me ensinou passos internos e eternos.
Sua couraça que sensivelmente me fazia farejar sintonia
Pairou ideias que se perderam em multidões que carrega dentro de si.

O fogo rasgado de suas palavras me sussurrava
Intensamente?
Sim.
E só seu peito concretiza essa verdade. Somente só.
Na intensidade que explode a menina dos olhos
Couberam-me livros e dicionários de entendimento imediato
Em louca arritmia que banalizava a moral
Socorrida em verdadeiras conversas embriagadas
Morando o riso. O risco. Aliso. Belisco. Enrosco.

A boneca do abraço leve
Num sorriso
Apenas,
Acaçapava-me.
E só uma filha da puta sabe dar tanto quanto dizer
Vá se fuder!

Portanto,
Faremos da madrugada o gesto intimo da cantoria
Tragar tudo que seja vida
Beber tudo que seja prazer
Comer metades certas de pedaços inteiros
Daquilo tudo que considero errado.

E não serei o garoto parnasiano
Prefiro ser pachola
O Malandro da cidade média
A bisca safada que descontrola o equilíbrio
O irmão do tesão, da bossa nova e das agonias.
O leito do silêncio e da fala que acarinha seu mimo
Quantas vezes te couber no céu.

Cabe até sua estrela tagarela

Cabe seu peito acelerado

Cabem suas mãos e pés frios

Cabem seus olhos de reluz
E você sente, degusta e cheira até ouvir
O tecido pulsante utilizado no quadro colorido de uma homenagem.

Perdeu-se novamente no silêncio deste segredo?
Não mais secreto…
Por opção,
Talvez…
A chance de ouvir seu grito me faz achar
Que chegou a hora de encerrar a composição deste diálogo

E deduzir que minhas lágrimas,
Forjou palavras para o indescritível
Andou dizendo que a vaca branca do cabelo oleoso
Mirou o sorriso meigo na direção do homem pedra…
Logo logo sua distração se concentrou
E ele,
No caso eu, se derreteu.

Por Bibi Serafim

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Nos traz dias


O rasgo desses versos vai de encontro à nostalgia

Dura e seca.

Daquelas que provocam um corte lento e profundo

Com sangue doce coalho.

Em meu vômito talhado de dor

Deixei sair esse pedaço da falta quase sem cor

E entre o pássaro que voou e o vento que tocou

Fico aqui parada como aquele velho sábio que guarda em si, seus segredos

Preservando seu mistério em uma lágrima salgada, sem gosto de ácido presente.

Guardo teu cheiro solto na cor carne do meu corpo

Avisto teu silêncio esmiuçado no reflexo dos meus olhos

Deixo trancado dentro de mim, esse laço de fita invisível

Que só eu sei o brilho de saudade que reluz no escuro calmo desse dia frio de meados do tempo passado.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ao tango quente e deslizante da madrugada sombria


Rasgo minha carne com o caco de vidro afiado,

Deixo o sangue vermelho vivo escorrer por entre minhas mãos

Escrevo meus versos pintados a sangue e cacos

Quero gravar-me neles

Deixar que eles façam de mim o que só eles são

Que eu os seja e me deixe quieta por esse segundo.

Quero pintar-me toda nas minhas cores vivas,

Borrar-me em cada tom escuro e forte

Deixar que meu ser abstrato se concretize em qualquer tela

Que algum canto do meu eu se liberte numa fotografia estática

Para só então ler tudo o que fiz de mim

Nesse tango embriagado de solidão.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O prazer é todo meu


Entre minhas tantas caras

Meu rosto, meu esconderijo

Entre minhas tantas almas

Meu silencio, meu segredo

Entre meus tantos passos

Meu mistério, meu medo.


Sou tudo o que mudei

Tudo que deixei

Tudo que nem sei.

De tanto me ser, não sei mais.

Sei que senti, degustei-me sem fim.

Sei que não sei de mim.


Fui parte do que eu vivi

Mergulhei no que eu senti

Isso que estou parindo com palavras

É meu, mas não sou eu.

Meu retrato tem meu rosto

Escondido nele, meu esboço.

Não sei o que faço, nem onde estou.

Sei que vou.


Vou lendo meus vestígios,

Meus restos, minhas pistas.

Leio o que deixei, mudei.

Fiz de mim o que não sei

O que eu sabia fazer, eu só senti.

Penetrei-me dentro do meu ser

Releio-me e fico por aqui

Não fui eu que me escrevi.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Versos do espelho


Risco.

Rabisco.

Piso.

Entre o medo de ir

E a vontade de ficar.

Entre o desejo de seguir

E o receio de parar.


Aquele pedaço do cheiro da dor,

Aquele vento distante e próximo do amor.


Na areia de encontro ao mar

Teu olhar.

Na madrugada fria e doce

Esse sorriso.


Risco.


Arriscar um desenho novo,

Colorido das cores turvas

Quase embaçadas,

Embriagadas.


Rabisco.


Borro o papel com palavras soltas

Soldo nele os meus pedaços.

Laços feitos daqueles traços,

Trapos.


Piso.


Coloco os pés dentro do coração

Sapateio até sangrar.

Deixo escorrer o sangue vermelho

Pra escrever esses versos no espelho.

domingo, 26 de julho de 2009

Dedicatória a uma puta amarga


No meio dos rios desse inferno

dessa poeira ácida, dessa sujeira ártica,

nesse espasmo flácido se colore o amargo púrpura

que recheia esse bordel virulento, cheio de ratos mortos.

Penetro o balcão pra encontrar qualquer bebida acre

pra escorrer o doce que se solta desse líquido forte

E de súbito vejo dançar na luz suja a frígida puta sobre um palco mal arranjado numa falsa tentativa de sedução

Não existe espaço para o lirismo nesse lugar

nem mesmo para o lirismo bêbado barato e cheio de ratos a mordiscar os lados

Só existe espaço para a mulher murcha, quase nua no palco de caibros frágeis, tão igual à sua platéia de animais gordos, todos há muito tempo broxados, salivando por qualquer sombra de vigor sem nem saber

rondando feito lobos a presa que mais do que tudo é carne

carne que nem triste é porque já não sangra

Por trás da pele transparente se vê os ossos, matéria de ferro, aço, parede nua, concreto, chão de terra batida,

esquece o fogo, a carne nunca se pareceu tanto com o metal frio da máquina.

E eu a observar do balcão a mais triste cena de todos os tempos, a ceia dos que não têm fome e nem sequer sabem disso

Eu mergulho, só mais um porre qualquer

Mas espera!

Ainda tem sombra de luxúria entre esse tantos trapos

Um pedaço de seda desgastado e ainda brilhante amarrado no tornozelo esquerdo e que ninguém presta atenção

Ainda existe um ritmo fraco de música, um brilho apagado, nesse inverno de vermes paralíticos e mudos, ainda existe sangue a ser bebido

E a puta amarga se senta ao final do ato, na beira do palco numa insólita espera por qualquer coisa dura o bastante que a faça sangrar de novo.

Por Maria Cecìlia Lara

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Tosse sem fim


Eu tossi cada pedaço engasgado de mim

numa tosse doída e quase sem fim.

Eu arranquei com minhas próprias mãos

aquele oco que palpitava dentro do coração.


Não foi suficiente.

Continuo mancando da perna direita

como se nada sustentasse

essas cores escuras dentro da pele.


Com as mãos trêmulas eu deslizo

nas cores cintilantes

e me entrego a tudo que nego

de forma marcante.


Conheci as partes mais escondidas que possuo

Viajei por elas por longos dias.

Apalpei-as como quem apalpa a si

Olhando de fora como se jamais estivesse tão dentro.


Permaneci ali.

No silêncio obscuro

Que fazia um barulho claro dentro do peito.

Sentei e ali fiquei.


Talvez eu devesse ter ido embora

Antes de saber de tudo que hoje eu sei.

Talvez não.

Eu sei de mim, como não sabes de ti.


Naquele pedaço que tossi,

Eu me vi em pedaços toda inteira

Quanta bobeira!

Segurei a tosse com as mesmas mãos que ainda tremiam.


Num pulo de quase um segundo

Pensei novamente em partir

Descobri que depois de já estar aqui

Difícil é sair de si.


Essa vida interior tão guardada

Tão inexplorada

Atrai aqueles que têm medo de si

E que tem medo de deixar-se.


Eu fico ali sentada

Como aquele que é expectador de si

Olho para dentro e novamente me apalpo

E me arranco de mim.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dança a dois


Sobre a sinceridade

E toda sua dança deslizante

Que envolve corpos e almas

No silêncio escuro.


Sobre o peito aberto

Perto da carne e o sangue

Aquela transparência estonteante,

Vermelho vivo, marcante.


Desliza,

Vira e delira.


Sobre a poesia

Com o papel borrado

E os versos trêmulos

Quase engasgados.


Sobre a mudez do movimento

E o balanço da voz

Esmiuçado na embriaguez da noite

E no vento da manhã, ainda preta e branca


Acontece,

Aquece e estremece.


Sobre o carinho

Disfarçado entre o desejo e medo

Pulsações elétricas debaixo das viagens mudas

Como o cheiro do orvalho fresco.


Sobre tudo o que envolve

Olhares, peles, sorrisos,

Entre abraços distantes

Da música mutante, amante.


Cala,

Repara e exala.


Sobre a intensidade

Que em meio à novidade

Faz do prazer o ritmo da brisa

Como o pássaro que voa e leva nas asas tudo que sabe.


Sobre o silêncio

Que revela o partir

Antes de entrar e sentar, lembre-se da metade miúda partida

Que partiu.


sábado, 18 de julho de 2009

Sinapse cardíaca


Nesse peso de folha virada o limite do tempo

Tempo que vai e leva

Quase que arranca da gente o que é nosso.

Aquilo que a gente escuta de fora

É nosso silencio de dentro.

E o silencio de fora

É aquele barulho alto guardado lá dentro.

Foi escutando aquela cor da brisa

E aquele cheiro do vento

Que eu mergulhei nesse pedaço de mim


Tem tanta saudade naquele cheiro

E tanto desejo naquela cor

Uma sinapse cardíaca que nunca nos deixa a sós

Nesse leito vazio, que tem o eco oco do nada repleto de si.

Mergulhar como o peixe mais sincero dos mares

E como o pássaro mais seguro dos ares

Feito aquele que arranca de si a coragem que nunca não teve

E joga-se no mundo como só e único.

Triste e sozinho, com fome de vida pelos mares e ares.

Feito aquele que nasceu dentro de si e ficou por ali

E não sabe da beleza desse abraço nos mergulhos profundos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Aquele olhar


Aquele olhar que muito viajou de forma meiga e doce antes de fixar-se ali.

Fixou-se calmamente, observando cada pedaço vago de si.

Absorveu tudo que havia por dentro e por fora e depois guardou num canto oco.

Canto mudo que gritava o nada de forma visceralmente bela.

Naquele momento todo seu carinho e delicadeza já eram parte de sua mudez berrada.

Arrancou de si um borro de sangue ainda cheirando a sua doçura singela e pintou seus lábios de dor.

Num sorriso eterno deixou escapar o cheiro dessa novidade mórbida.

Cheiro de alma sempre dançante nas valsas e tangos noturnos.

Aquele olhar permaneceu fixo no canto de voz que cheira todos os seus sorrisos.

Escapou de si aquele peso que tem a leve sensação de melodia cativante.

Escapou a beleza daquele carisma que envolve olhares alheios.

Os lábios ainda estavam envolvidos na dança muda.

O borro de sangue pintou a valsa da noite com a própria alma.

Tudo o que havia absorvido por dentro e por fora já eram o nada que jamais arrancara de si.

Sobrava ainda sua doçura e seu carinho espalhados no canto de cada tango.

Entre a troca de olhares tudo permanece fixo depois daquele misterioso ponto móvel.

domingo, 28 de junho de 2009

Cochilo de domingo

Eu quero olhar da janela e ver no horizonte aquilo que há tempos já não é mais meu presente. Quero ver entre a as nuvens e o mar aquele gosto de inocência que não mais sei como é. Saborear cata gota de mim que deixei por onde nem sei se passei. Quero sentir o gosto dos almoços de domingo na casa da vovó, onde eu brincava de forma sincera, naquela época eu nem imaginava que um dia eu não mais brincaria com tanta ingenuidade. Espero que eu ainda me lembre das minhas tantas birras e manhas por coisas pequenas e gostosas de lembrar-se de forma tão viva, e interna. Nessas fotografias já desgastadas eu quero sentir o cheiro da infância e o gosto de cada lembrança de quando eu era criança. Lembrar-me do primeiro dente caído, do primeiro amigo, do primeiro amor, da primeira briga, da primeira festa, e de todos os malditos primeiros que sempre nos marcam. Queria lembrar-me de tudo que passou. Ah, as coisas realmente passam, às vezes nós nem percebemos, mas mesmo assim elas passam. Aquilo tudo passou, e isso tudo continua passando. Eu passei. E passo mais e mais a cada momento. Passar assusta, permanecer também. E as fotografias permanecem vivas na minha memória. Eu sinto dentro do tempo o tempo todo que está dentro de mim. Maldito tempo. Antes ele não fosse assim tão traiçoeiro, assim tão passageiro. Antes ele fosse algo tão diferente do que é, que eu nem posso descrever. Descrever… Realmente eu jamais poderia descrever tudo isso que há dentro de mim. Tudo é tão meu que parece nem ao menos saber como sair de mim, está preso de dentro para dentro. É como se eu fosse tudo isso que eu guardo e que ninguém pode ver, é como se o que eu mostro fosse um feixe de mim que eu consegui soltar, mas que esse feixe já não é mais exatamente aquilo que era antes de soltar-se de mim. É como se eu não fosse o que sou porque tudo o que sou só eu sei ser, e só pra mim. Ah Sartre, minha náusea faz parar-me por aqui. Eu ainda estou cá, a olhar o horizonte sem fim. Eu queria que esse horizonte nunca mais se perdesse de mim. Agora quero lembrar-me de cada parte que eu vivi ao seu lado. Foi você, o primeiro a me dar as mãos e sentar-se ao meu lado naquela calçada preta e branca. Faz muito tempo, mas eu ainda sinto seu cheiro nessa frase, sinto seu corpo nessas palavras. Foi você que de repente, decidiu me ouvir falando de mim durante todos os dias na praça do parque, e eu aproveitei e falei muito, nunca mais parei de falar. Você me ouvia e olhava dentro dos meus olhos, vendo cada parte de mim em tudo que eu falava. Minha profundidade sendo exposta e ameaçada por todo aquele carinho seu que me assustava por ser tão doce. Nós ali, ainda nos bancos da escola, esperando o sinal tocar e anunciar a hora do recreio. E esse tempo já passou e isso realmente faz tempo. E a cada minuto isso se concretiza mais dentro de mim. É como se a ficha fosse caindo aos poucos. É como se dentro de mim eu soubesse que nada passou, mesmo por fora tendo passado. Mas eu queria que você ainda estivesse aqui, sentado do meu lado segurando a minhas mãos em alguma calçada preta e branca com sombra fresca. Eu queria que você ainda me escutasse falar de mim como um dia você escutou, eu queria saber falar tanto de mim pra alguém como só pra você eu falei. Sonho ainda com os filmes na sala de vídeo no colégio, onde você cochilava sempre, mas jamais soltava minha mão. Você não deve nem se lembrar disso, eu só sei que não te esquecerei. Só sei que todos os sorvetes de chiclete e os passeios no zoológico foram os dias que mais tem meu cheiro nessa lembrança. Os dias que mais tem seu cheiro na minha infância. Tudo era puro, belo, sincero. Parecia coisa de filme de sessão da tarde, talvez fosse. Algum filme que eu assisti em num domingo na casa da vovó logo depois de comer e tirar fotos toda suja e melecada. Ah, claro que logo depois de dar alguma birra por qualquer besteira só pra não parar de ser eu desde o inicio de mim. E depois de tudo, um cochilo. Cochilo que me fez sonhar e me imaginar num filme. Esse que eu acabei de contar.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Pau nosso de cada dia


Aos vagabundos cafajestes

Que nos divertem majestosamente

Na madrugada eterna

Com o calor interno.

A todos os filhos da puta

Que com a indiferença fria

E morna

Nos aquecem como ninguém antes o fez.

Aos de pau grande

E disposição sagaz

Que fazem de nós as damas da noite

Com pernas abertas e peito bem fechado

Aqueles que nos fazem esquecer a dor

E sentir somente o prazer.

Prazer doce e perigoso

Suspiros frios, calafrio.

Vamos brindar

Uma, duas, três vezes

E mais algumas, tantas.

Acende o cigarro, descansa do gozo.

Abre a janela na manha seguinte.

A falta de memória, com requinte.

O uísque ainda nos copos espalhados

O silêncio permanece calado.

A sensação de satisfação:

Hipócrita, instantânea.

Não, o problema não foi seu pau, nem seu desempenho, querido.

O problema está comigo.

Eu exijo mais que isso.

Eu quero o prazer completo

Quero abrir o peito junto com as pernas

E te mostrar meu gosto de forma sincera.


Nota: A tão doce menina dos olhos depois do ultimo texto decidiu beber novamente a dose toda de uísque, acendeu o cigarro, deixou nele a marca de sua boca com batom cor de sangue e finalmente vomitou com alguma morbeza romântica essas palavras.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sobre o prazer


Agora eu vou falar da carne,

do desejo, do tesão, da fantasia

e de toda minha malícia.


Vou falar de cada amasso,

cada laço, cada mormaço,

nesse nosso embaraço.


Vou lembrar-me daquele arrepio,

daquele delírio,

mas principalmente daquele suspiro frio.


Demorar-me no que faz do silêncio algo que não é mudez.

Na qual os corpos são bem mais que a nudez.


Junto ao sexo e ao álcool, prazeres sagazes e ferozes,

cito também aqueles outros pequenos prazeres vagabundos,

que fazem dos poetas experimentadores do mundo.


Na queima de energias eterna,

a explosão interna,

que me enrosca a sua perna.


Depois do botequim,

eu me jogo em frente ao seu tamborim

e te devoro até o fim.


E tudo o que me resta

é seu toque e seu calor nesse fim de festa,

só, e somente isso me interessa.


No espelho do banheiro eu repito pra mim mesma:

nos dias em que a física sobrepõe-se a metafísica, é melhor deixar a alma em casa e sair com a roupa do corpo.

Nota: é que ela, a menina dos olhos sempre tão delicada e meiga, acordou hoje como uma puta amanhecida cheia de classe, sem nenhum traço doce.
Não demorou muito passou seu batom vermelho, bebeu a dose toda de uísque, e depois escreveu essa merda que vc leu!

Related Posts with Thumbnails