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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O melhor de mim


Já era o tempo cinza

em que os dias quase choram

lágrimas partidas

e tudo aquilo que me sobrava

era um risco terno no nada,

brisa fria.


Meu ódio era o melhor de mim

engasgado num nó de mágoa

acidez berrada

engolida a seco.


Dia a dia a gente aprende

aos poucos

a amarrar as dores lentamente

cavando buracos enormes

porosos e ocos

para jogar fora

num vômito único

seco e breve e amarelo.


Expulsa, arranca

lança fora, puxa

cospe, grita

explode, arranha

tira! tira! tira!

deixa sair aos prantos

deixa arder como ácido em carne viva

deixa corroer por inteiro

deixa doer

deixa assim

deixa, deixa que passa


um dia passa.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sala grande


As xícaras de café ficaram sobre a mesa ainda posta, ainda nossa. O vazio que dormiu por entre nossos corpos de repente saltara do peito e se significava diante daquela manhã de faca, aquela que nos finca, rasga e corta por dentro da carne morta. Era como se eu soubesse que todo nosso sentimento começou a desprender-se de nós ali, e eu sabia, nós sabíamos, nunca mais voltaríamos a tocar um ao outro do mesmo modo, com o mesmo afeto, doçura, carinho.

Eu olhava a aquele lugar com olhos de saudade, de medo, de dor. As paredes brancas e o espaço infinito daquela sala entraram em nós, invadiu nossos peitos, sonhos, planos. Era como se a gente não coubesse mais ali, como se ali não coubesse a gente. A gente nem sequer existia mais. Eu sabia, você também sabia.

Os cigarros acesos, as malas feitas, a casa já vazia. Era hora de partir. Isso significava bem mais que somente isso para nós, isso significava o fim. Os sinos haviam tocado, era hora que nós temíamos desde o inicio, era aquela hora que nunca coube nos nossos planos. Você me olhava com os olhos vermelhos e o coração na mão ao dizer “Boa sorte, conte sempre comigo!”. Falas quase engasgadas que não eram sinceras, não podiam ser. Não restou nada entre nós, nem mesmo a sorte.

Minhas mãos ainda trêmulas apertaram a sua, aquele aperto final, aperto de despedida. Eu nem imaginava o que estava acontecendo. Eu estava te perdendo. Eu já havia perdido. Nós nos perdemos e juntos destruímos partes inteiras só nossas, que simplesmente não cabiam mais naquela casa, não cabiam mais em nós.

E hoje, lentamente já não resta mais em mim aquela saudade, aquele medo, aquela vontade. Hoje não resta nem mesmo aquele cigarro aceso ou aquela sala que nós decoramos com as nossas cores quentes, que agora está lá… vazia, suja, abandonada. Mas, pronta para esperar os próximos de nós, os próximos a tentar, a se tentarem. Os próximos a acreditar que aquela mesa e aquelas xícaras de café são o começo deles, e não o nosso fim.

Eu brindo aquele dia com alguma sensatez muda. Eu ainda guardo o teu fim em mim, afinal a gente já esperava, de algum modo há algum tempo a gente percebeu que ‘a gente’ não existia mais. E que toda aquela tentativa estava nos corroendo acidamente por dentro. Nós já não éramos os mesmos, e já não estávamos mais dispostos a machucar-nos e sofrer assim por algo que não preenchia mais ninguém. A utopia finalmente nos abandonara e, assim pudemos enxergar diante do espelho duas imagens distintas, que finalmente não se completavam, nem se coincidiam em ponto algum.

Da próxima vez, quem sabe uma casa com a sala menor…

terça-feira, 17 de novembro de 2009

De vez em quando


De vez em quando amor

palpitações silenciosas

que se explicam por si só.


Abraços, laços, traços.


De vez em quando tesão

gemidos embriagados

atrelados ao desejo cru e cruel.


Suspira, delira, arrepia.


De vez em quando carinho

eternidades milimetricamente cuidadosas

mansidão que me prende a tua mão.


Carícias, olhares, sorrisos.


De vez em quando ternura

coisas sem nome que significam elos

passíveis de sentir com cheiro agridoce.


Melodia, sinfonia, sintonia.


De vez em quando tantos

experimentar tudo o que for possível

cada gota, cada dose.


Liberdade, liberdade, liberdade.


De vez em quando eu

entre tudo

entre nada.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Vinte vezes a mesma coisa


Um vendaval difuso

invisível

que passa arrastando o tempo

desconexo

deixando entre o que já não é

e aquilo que é

essas palavras

derramadas.

¨

Dualidade mórbida acelerada

à passos largos,

vagos

profundezas alcançadas

demoníacas,

embriagadas

quase esquecidas na cor pálida angelical

pintada a cacos

partidos, cortantes

borrados de dor e louvor.


A mesma coisa sendo identificada

vez por vez

rumo a alguma velha e instável

oca nudez

cravada a símbolos malditos

belos e doces e macios

feito o cheiro do vento passando

que leva poeiras inteiras

num quase grito terno e morno.


Vinte versões,

já não tão intactas como antes

pés mais distantes de onde se partiu

mais perdidos

e mais doloridos

e mais seguros

ainda sem lugar pra chegar

tudo falso e tramado

feito uma coisa que nem uma vez nem vinte vezes

vai ser a mesma coisa que nunca não foi.


Não fosse ártico,

nem tanto trágico.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Fotografia de rabisco


Do sol ao mar

de sal

e céu

ao léu

entre véus

todo o mel

sabor do ar.


Vento que bate

leva

vira e revira

trazendo cores

das flores mais belas

cheiros de mudas falas

que mudam

por si, sozinhas.


Tambores,

amores entre amoras

auroras

recortando texturas

que sentem a lua

atravessando o longo caminho

daquelas coisas que não existem.

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