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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sala grande


As xícaras de café ficaram sobre a mesa ainda posta, ainda nossa. O vazio que dormiu por entre nossos corpos de repente saltara do peito e se significava diante daquela manhã de faca, aquela que nos finca, rasga e corta por dentro da carne morta. Era como se eu soubesse que todo nosso sentimento começou a desprender-se de nós ali, e eu sabia, nós sabíamos, nunca mais voltaríamos a tocar um ao outro do mesmo modo, com o mesmo afeto, doçura, carinho.

Eu olhava a aquele lugar com olhos de saudade, de medo, de dor. As paredes brancas e o espaço infinito daquela sala entraram em nós, invadiu nossos peitos, sonhos, planos. Era como se a gente não coubesse mais ali, como se ali não coubesse a gente. A gente nem sequer existia mais. Eu sabia, você também sabia.

Os cigarros acesos, as malas feitas, a casa já vazia. Era hora de partir. Isso significava bem mais que somente isso para nós, isso significava o fim. Os sinos haviam tocado, era hora que nós temíamos desde o inicio, era aquela hora que nunca coube nos nossos planos. Você me olhava com os olhos vermelhos e o coração na mão ao dizer “Boa sorte, conte sempre comigo!”. Falas quase engasgadas que não eram sinceras, não podiam ser. Não restou nada entre nós, nem mesmo a sorte.

Minhas mãos ainda trêmulas apertaram a sua, aquele aperto final, aperto de despedida. Eu nem imaginava o que estava acontecendo. Eu estava te perdendo. Eu já havia perdido. Nós nos perdemos e juntos destruímos partes inteiras só nossas, que simplesmente não cabiam mais naquela casa, não cabiam mais em nós.

E hoje, lentamente já não resta mais em mim aquela saudade, aquele medo, aquela vontade. Hoje não resta nem mesmo aquele cigarro aceso ou aquela sala que nós decoramos com as nossas cores quentes, que agora está lá… vazia, suja, abandonada. Mas, pronta para esperar os próximos de nós, os próximos a tentar, a se tentarem. Os próximos a acreditar que aquela mesa e aquelas xícaras de café são o começo deles, e não o nosso fim.

Eu brindo aquele dia com alguma sensatez muda. Eu ainda guardo o teu fim em mim, afinal a gente já esperava, de algum modo há algum tempo a gente percebeu que ‘a gente’ não existia mais. E que toda aquela tentativa estava nos corroendo acidamente por dentro. Nós já não éramos os mesmos, e já não estávamos mais dispostos a machucar-nos e sofrer assim por algo que não preenchia mais ninguém. A utopia finalmente nos abandonara e, assim pudemos enxergar diante do espelho duas imagens distintas, que finalmente não se completavam, nem se coincidiam em ponto algum.

Da próxima vez, quem sabe uma casa com a sala menor…

2 comentários:

  1. #

    Comentário por Cecília — terça-feira, 24 de novembro de 2009 (13:42:00)

    ainda que a gente acabe corroídos.

    “mas ela se contrai violenta e pede que eu ponha Ângela outra vez, e eu viro o disco, Amor meu grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça para que vomite, e sem querer vomito junto, ao mesmo tempo, os dois abraçados, fragmentos azedos sobre as línguas misturadas, mas ela puxa a descarga e vai me empurrando para a sala, para a porta, pedindo que me vá, e me expulsa para o corredor repetindo não se esqueça então de me mandar aquele cartão de Sri Lanka, aquele rio lodoso, aquela tez azeitonada, que aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando.” Caio F. Abreu - Os Sobreviventes

    ;*

    {ver em: http://meninadosolhos00.blog.terra.com.br/2009/11/23/sala-grande/#comments]

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  2. #

    Comentário por Juninho — terça-feira, 24 de novembro de 2009 (18:41:26)

    “A utopia finalmente nos abandonara e, assim pudemos enxergar diante do espelho duas imagens distintas, que finalmente não se completavam, nem se coincidiam em ponto algum.” (Fernanda Tavares)

    “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. (Eduardo Galeano)

    As citações se comunicam e se revelam. Para cada utopia, uma longa, árdua e interminável caminhada.

    ;*

    {ver em: http://meninadosolhos00.blog.terra.com.br/2009/11/23/sala-grande/#comments]

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