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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Cantinho Manoel de Barros

Ao ler Menino do mato, de Manoel de Barros, tive que dividir alguns sabores dessa viagem com vocês. Fica aqui a dica de leitura e uma deliciosa intimação.


“Ali a gente brincava de brincar com as palavras."

"A gente gostava das palavras quando elas perturbavam o sentido normal da ideias. Porque a gente também sabia que só os absurdos enriquecem a poesia."

"Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor e não por sintaxe. A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras."


"Certas visões não significam nada mas eram passeios verbais."

"A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais."


"Eu vivia embaraçado nos meus escombros verbais."


"Porque todos estávamos abrigados pelas palavras. Usávamos todos uma linguagem de primavera. Eu viajava com as palavras ao modo de uma dicionário. A gente bem quisera escutar o silêncio do orvalho sobre as pedras."


"Eu sonhava de escrever um livro com a mesma inocência com que as crianças fabricam seus navios de papel."


"Eu queria pegar com as mãos no corpo da manhã. Porque eu achava que a visão fosse um ato poético do ver. Tu não gostasse do caminho comum das palavras antes melhor eu gostasse dos absurdos."


"Eu queria mesmo desver o mundo."


"Livre, livre é quem não tem rumo."


"Invento para me conhecer."


"Eu só faço travessura com as palavras. Não sei nem me pular quanto mais obstáculos."

"Escrever o que não acontece é tarefa da poesia."


"Eu gosto do absurdo divino das imagens."


"Pra meu gosto a palavra não precisa significar - é só entoar."

"Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos."


"Eu sustento com palavras o silêncio do meu abandono."


"A maneira de dar canto às palavras o menino aprendeu com os passarinhos."


"Visão é recurso da imaginação para dar às palavras novas liberdades?"


"Eu bem sabia que a nossa visão é um ato poético do olhar."


"Eu queria que minhas palavras de joelhos no chão pudessem ouvir as origens da terra."


"Poesia é um desenho verbal da inocência."


"Eu queria pegar na semente da palavra."


"E as coisas inúteis ficam para a poesia."


"Porque o homem não se transfigura senão pelas palavras."



Espero que sintam-se tão aconchegados pela palavra quanto eu me senti.



terça-feira, 25 de maio de 2010

Íntimo-ínfimo



É como se meu corpo

tocasse em cada víscera sua

e alcançasse com as mãos

a profundeza da sua respiração.


Devia ter pedaços seus nos meus suspiros.


Devia ter partes suas já enraizadas em mim.


É como se meus lábios

mergulhassem nas suas palavras

e como se delas extraíssem os sabores

que nós provamos em nossos corpos entrelaçados.


Deve existir alguma quietude enérgica

que confunde nossos gozos e sentimentos.


Deve existir algum colorido invisível

que alcança o intocável.




segunda-feira, 17 de maio de 2010

Conta gotas



Passamos como os pássaros no céu que passam

em passos largos

cavamos espaços

que redimensionam os laços

desse compasso.


Quebramos o gesso

que endureceu as vozes

ao silenciar palavras berradas.


Caminhos sombrios

escondem belezas

que só o espelho interior

pode revelar.


E aquilo que disfarço

é meu puro sangue estancado em gotas ácidas de mim.



terça-feira, 11 de maio de 2010

Desespelho


Eu queria reinventar o que eu já inventei

e fazer de tudo isso

um pouco daquelas coisas

que me levavam até você.


É como se experimentássemos

pelo mero prazer e dor

toda e cada uma das dicotomias

que nunca existiram em nós.


Voltar no instante em que os corações

não pulsavam sozinhos

e o batuque conjugado

embalava poesias já empoeiradas.


Queria recompor os extremos

e contemplar desejos subitamente supitantes

pra desenhar de batom vermelho

minha face no espelho que não me enxergo.



sábado, 8 de maio de 2010

Pique esconde



Foi brincando de procurar figurinhas cheias de desenhos

que eu encontrei uma parte de mim

num daqueles cacos colecionados

que me coloriam por dentro.


Era como na infância

como se não houvesse tempo,

como se aquele dia ainda fosse hoje.


A brisa mansa me remetia a partes de mim

que só mais tarde vieram a existir.


Era como se houvesse cheiro de hoje

naqueles ventos que giravam os moinhos.


Era como se a gente já soubesse de coisas

que a gente ainda não sabia.


O tempo faz a vida parecer comprida, corrida

tudo que eu era antes parece que não existe mais

que ficou guardado lá atrás

onde a gente só alcança com a saudade.


É como brincar de esconde-esconde

e esconder-se sob uma parte do tempo.


É como procurar na nostalgia

algum pedaço do presente que nos falta.


É quase como tudo que é.




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